quarta-feira, 25 de março de 2015

Pensamentos | Outras visitas

Helena está escrevendo um livro, sabia disso?

Não, não sabia. Faz tempo que não encontro com ela, inclusive.

Pois é, está imersa nisso, não tem falado comigo se não procurando em mim um de seus personagens. As vezes tenho dificuldade de separar as coisas, mas admiro muito sua imersão, esses descompassos.

Entendo, também escrevo, sabe disso. Mas devido ser mais técnico não tenho esse problema da criatividade ilustrada como na escrita de Helena.

Bessie Smith, Louis Armstrong, Ella Fitzgerald e tantas outras obras refinadas tocam ao fundo, num som rústico que vem da vitrola da casa de Daniel.

A casa é da dobradiça da porta de entrada ao telhado antigo, escuro e ocre, a própria personalidade de Daniel, meticulosamente testados, cores, materiais, ângulos, formas, tamanhos, o que aonde e porque, ele fez questão de conhecer tudo da casa e ter em cada canto sua cara, fazendo da daquele quadrado em madeira e concreto um tipo de placenta.

Como naquela quarta, e tantas outras, Felipe, e mais três amigos, visitam Daniel para longos conversares. Numa cesta de vime encontram diversas sementes oleaginosas e combinações de frisantes para degustarem ao longo da tarde até a madrugada.

Nessa quarta, exclusivamente, só estavam Felipe e Daniel, o que deu a liberdade de um papo próximo de uma particularidade de divã. Daniel estava cansado de ser tão impulsivo em suas contenções, tinha muito receio dessa característica do medo e que era tão presente nele. Na vida profissional, como artista, tinha apenas que conter a não compreensão daqueles que não aceitavam pagar o valor de suas obras, mas na vida pessoal, não sabia dar espaço para um próximo passo. Sentia-se frio por isso. Achava que manter-se um observador das qualidades das mulheres que debruçavam nele, era mais bonito, porque soava poético as curvas dos cabelos quando saiam do banho, e ele ali parado na cama, seguindo cada gotícula de água, ainda morna, nas pontas dos fios; também não via problema em manter-se em silêncio enquanto uma delas discursava sobre os planos de um projeto, normalmente, se envolvia com outras artistas de gêneros diversos, mas artistas, o que de certa forma é o que os atraiam, a nobreza de ver arte dentro da vida.

Felipe era um ótimo ouvinte mas excelente juiz. O que obrigava Daniel escutar e segurar cada palavra que vinha dele. Felipe dizia que os problemas de Daniel eram os de muitos outras artistas, como ele. Que não tinha que ter medo de nada, porque como pensa ou age tem que ser daquele jeito. Não tem formula da verdade absoluta para nada, muito menos, nas relações pessoais, do homem e mulher.

Acreditava que o que tornava sólido era a compatibilidade em querer entender o outro, seja no silêncio ou nas palavras ditas. Contou da vida com a atual mulher, Julie; sempre foi uma troca, quando sentia que tinha que explicar, para Julie, o que era para ele agradável, sentavam e tentavam entrar em um acordo, mas respeitava que ela também tinha que extrair algo bom daquilo, foi assim desde o primeiro encontro, disse Felipe. Não ficamos escondendo nada um do outro, não tentávamos mudar nada, queríamos estar juntos, isso foi unanime, mas para que pudêssemos nos entender melhor e seguir na relação tivemos que aceitar, ambos, que não mudaríamos nada em nós mas estaríamos , sim, dispostos a experimentar mudanças para conhecer o como o outro assimila, compreende...Acho que foi por isso que estamos juntos até hoje.

Daniel, deu um golpe no copo com água e derramou o liquido aliviando a secura da boca. Sua teimosia entendia que era claro as diferenças dos artísticas e dos mais objetivos, como Felipe. Mas ele sabia que o sofrimento dele era em vão, até para ele mesmo, seu martírio criativo. Continuavam as conversas que sempre terminavam em festins licenciosos porque apareciam, nenhum pouco incomodas, Margareth, Catarine ou, as vezes, Lucia, ou até mesmo Helena, para continuarem as depravações da vida a dois.

Na Clearaudio's emotion SE que agora tocava Flamenco Sketches, Miles Davis, as mulheres que vieram dessa vez, Catarine e Lucia, dançavam com os olhos fechados na sala de convivência, cujo piso era de uma madeira nobre impecavelmente lustrada servia a dança dos pés descalços das moças enfeitiçadas. Daniel e Felipe, de vez em quando paravam só para olhá-las mas logo continuavam os assuntos devoradores de inquietações intimas daqueles corpos jovens, mas adultos experientes e sem pudores. Após o novo lado do disco, os rapazes já estavam mais apreciadores daqueles outros assuntos flutuantes, ondulados e aromáticos em seu frente.

Levantaram do divã para encarar os olhos cor de mel de Catariana e o escuro e amendoado, de Lucia. As duplas formadas, as danças tomaram mais fervor e audácia. Os casais riam juntos, falavam ao mesmo tempo e parecia uma festa de arromba, com muitas pessoas, um som alto e ensurdecedor. Mas não, eram quatro pessoas, uma sala imensa, uma mesa que era suporte de anseios e uma musica com picos de sedução e mistério. 

Foto de Mario Testino para Vogue Paris
Daniel alcançou o dimmer da grande sala e ostenta o clima de provocações, as mãos tomam mais liberdade, as pernas fazem encaixes estratégicos e engraçados, os corpos ficam mais próximos um dos outros, as vezes os dois casais se trombavam e riam da embriaguez, mas não deixavam de se tocar, até aproveitavam para trocar as damas e variarem as experiencias de tato, olfato e um diferente tipo de languidez. 

De repente os corpos se despem e ficam todos a vontade da dança e das sensações mais reais do que poderiam experimentar. Catarina com seus olhos de mel, era doce, mais acanhada e tinha a maciez de uma pétala de flor. Lucia já era mais agressiva, como os olhos que davam uma profundidade desconhecida. Tanto Daniel quanto Felipe, estavam adormecidos pelo prazer, queriam a todo custo sentir aquelas bocas extraírem seus rangidos cautelosos que conheciam como prazer.

Lucia foi a primeira a usar sua habilidosa boca até Felipe, que o olho-ardor flamejava só de sentir o toque dos lábios dela. Catarina observava atenta como uma aprendiz, enquanto Daniel acariciava o corpo de flor com a mesma delicadeza que deve ter com um tipo raro. As vezes nem Catarina aguentava a paciência de observador de Daniel e introduzia a mão dele onde ela queria que estivesse e ali ficam os dois se olhando como se estivessem de olhos fechados tentando encontrar algo que está escondido em um lugar escuro, quente e macio. Ele adorava que fazia isso, porque mesmo não tendo o ritmo de observador, Catarina tinha a ânsia de quem vasculha, então ficavam bons instantes assim, ao mesmo tempo em que Lucia e Felipe se perdiam entra bocas e flamejo....

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